Edvaldo Santana, da Aneel, Artigos e Entrevistas - 29/03/2010
As últimas semanas têm sido marcadas, no âmbito do setor elétrico, por notícias que dão conta da ocorrência de “pequenos apagões” em diferentes cidades do Brasil, sobretudo nos grandes centros. Notícias mais recentes ainda relacionam essas ocorrências a uma “estratégia” de redução de investimentos por parte de algumas distribuidoras. Afirmo que tal “estratégia”, se verdadeira, é de enorme risco para as distribuidoras, e é sobre isso que escrevo nestas poucas linhas.
É extremamente complexa a tarefa de definir incentivos ótimos, isto é, estabelecer incentivos que tornem o mais compatível possível os objetivos da firma regulada e os objetivos daqueles que recebem o serviço, no caso o consumidor. O sistema de regulação utilizado no Brasil, para o segmento de distribuição, consiste, em linhas gerais, na regulação por incentivo, em que se procura estimular os agentes a atuarem de acordo com os objetivos do Principal (a Agência). O Principal deve perseguir um objetivo primordial, definido na Lei de Concessão, que é a adequabilidade do serviço.
A Lei também define, no detalhe, os atributos de um serviço adequado, que consiste em um serviço prestado com regularidade, de forma contínua e eficiente, com segurança e atualidade, preservando a cortesia e a modicidade das tarifas. Em outras palavras, o serviço de energia elétrica deve ser adequado, contínuo, atual e preservar a modicidade das tarifas. Se uma dada distribuidora adota conduta que foge disso, a mesma está sujeita às penalidades previstas em normas da ANEEL.
Pela sistemática de revisão das tarifas de energia elétrica adotada pela ANEEL, o cálculo do fator X (que é, grosso modo, um redutor de parte da tarifa nos anos após a revisão) tem como uma de suas variáveis o valor dos investimentos a serem realizados pelas distribuidoras ao longo do ciclo de revisão, que tem em média quatro anos. Neste contexto, as concessionárias propõem ao regulador os valores dos investimentos para cada ano e a partir disso é obtido um fator X, que varia na proporção dos investimentos, sem esquecer que tal proporção não é direta.
Mas o que acontece se a distribuidora se compromete a fazer um determinado programa de obras e não cumpre o prometido? Conforme pode ser verificado no Anexo VI da Resolução Normativa nº 338/2008, ao final do 2º ciclo – no caso da Eletropaulo, por exemplo, julho de 2011 – é recalculado o fator X, considerando os investimentos efetivamente realizados. Se o X recalculado resultar maior do que o estabelecido quando da revisão, então a diferença entre seus valores será devolvida para os consumidores por meio de redução da Parcela B. A Parcela B, para quem não sabe, é a componente dos custos da empresa da qual faz parte, por exemplo, a remuneração dos acionistas.
Como ilustração (que pode ser vista com detalhe em um gráfico da página 5 do Anexo VI da resolução mencionada acima), se os investimentos realizados são de apenas 60% do prometido, então a Parcela B será reduzida em mais de 2,2 pontos percentuais em cada um dos quatro anos do ciclo seguinte, o que representa uma razoável redução de tarifas, se contarmos que em 2010 as tarifas têm tido reajustes negativos. Se a concessionária possui um ciclo tarifário de cinco anos (casos Enersul e da Light), então a mesma relação de investimentos (60%) resulta na redução de quase três pontos percentuais na Parcela B.
São reduções significativas, nos dois casos, maiores até do que os maiores fatores X, razão pela qual entendo que a estratégia de redução de investimentos, caso seja confirmada, envolve custos concretos para as distribuidoras, daí os enormes riscos de uma estratégia em que todos têm a perder. É um equívoco das distribuidoras tal conduta, que nada tem a ver com os contratos de concessão assinados, com a prestação de um serviço que é público, no caso específico um serviço essencial para toda a sociedade.
Mas o recálculo do fator X é apenas um dos incentivos utilizados pela ANEEL. Se o serviço não é prestado de forma contínua, casos dos chamados pequenos apagões, as concessionárias ficam sujeitas ainda a dois tipos de penalidades: uma associada ao não cumprimento das metas para seus indicadores de continuidade e outra, objeto de fiscalização, vinculada à própria prestação de um serviço de forma inadequada, conforme previsto no inciso III do art. 6º da Resolução Normativa nº 63, de 2004. Por tal dispositivo, deixar de realizar as obras essenciais à prestação do serviço adequado sujeita a distribuidora a uma penalidade do grupo III, que pode chegar a 1% de sua receita. Também a título de ilustração, em 2008 e 2009 foram aplicados quase R$ 75 milhões de multas apenas por queda na qualidade do serviço, sem contar aquelas do grupo III.
Em resumo: se há um problema na qualidade do fornecimento, e os fatos recentes parecem mostrar que sim, os mesmos não podem ser atribuídos a deficiências regulatórias ou de fiscalizações. A ANEEL não é infalível, mas nos casos presentes atuou de maneira proativa, ao criar incentivos regulatórios que se presumem adequados. Ademais, seria impraticável, por ser muito caro para os consumidores, uma fiscalização onipresente da ANEEL.
É bem verdade que o processo de regulação por incentivo, para ser eficaz, requer aprimoramentos contínuos, como os que foram feitos em 2008 para o caso do fator X, e outros serão implementados, sempre que necessários. Por fim, os consumidores de energia elétrica podem ter certeza que a ANEEL não medirá esforços, como jamais o fez, para que o objetivo (da prestação de um serviço adequado) seja cumprido, uma vez que tal objetivo é a razão de ser da Agência.
Edvaldo Santana é diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica
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